Por volta das 21 horas os habituais “partilhantes” e alguns estreantes começaram a aglomerar-se na habitual sala onde se realizam, semanalmente, as sessões da “Partilha das Quintas”, nas instalações da Universidade Sénior.
Manuel Jeremias, um dos habituais moderadores, deu o mote para o início da sessão começando por agradecer a presença do autarca e ressaltou a sua profunda admiração, a título pessoal, pelo interesse que reconhece a Francisco Tavares pela história nacional e local. Remetendo-se à temática proposta para a partilha, solicita ao autarca que se debruce sobre os novos desafios do poder local.
Neste seguimento, o edil começa por referir que, sendo presidente de Câmara há 26 anos, assistiu a muitas mudanças no que concerne ao enquadramento e paradigma do poder e gestão locais. Distingue, muito claramente, diferentes fases no contexto do poder local: uma primeira fase, que decorreu até à década de 80 no contexto da qual, aquele poder era “incipiente e pouco autónomo”. Este quadro, segundo o mesmo, resultava, em larga medida, dos juros extremamente elevados que a banca praticava (20/30%). Francisco Tavares relembra que, o momento de viragem, aconteceu aquando da entrada de Portugal na antiga CEE e, paulatinamente, “ao longo dos tempos foram transferidas muitas competências específicas para o poder local”. Ressalta que “a fase de grande afirmação das autarquias se deu na era Guterres”, sendo a mesma acompanhada por um exponencial incremento das verbas que, segundo Francisco Tavares, “conduziu a um gasto indiscriminado” desse dinheiro. Recorda que, nessa época optou por não recorrer a crédito tendo, inclusivamente, sido chamado à atenção por não levantar o dinheiro e foi aconselhado, se não o utilizasse, que o pusesse a render. O presidente sublinhou que daqui resultou o pagamento de uma elevada factura, aquando da entrada de Manuela Ferreira Leite, como ministra das finanças, em que assistiu a cortes radicais a nível do poder autárquico.
Apesar de tudo, com a governação de José Sócrates, Francisco Tavares refere que houve, efectivamente, mais poderes e competências imputadas às câmaras mas, com o aumento do poder, advieram também mais problemas que se prendem, essencialmente, com a gestão de verbas para o financiamento de algumas “competências”, sobretudo, ao nível da educação, águas e resíduos urbanos.
O autarca refere que, apesar de serem obrigados a entrar na dinâmica imposta, é praticamente incomportável, sobretudo, referindo-se ao preço por m3 de água e dos resíduos sólidos. “Há câmaras que estão em situação de ruptura”. Neste momento, nenhuma câmara paga porque “põe em causa a gestão das próprias autarquias”. Frisa que as câmaras propuseram estabelecer um preço comum que também não foi aceite. “Somos obrigados, segundo uma cláusula, a consumir mínimos, apesar de nós não podermos impor consumos mínimos”, adiantou o autarca. Rematou dizendo que se “estão a sufocar as câmaras”.
Paralelamente, disse ainda que o “mesmo acontece com o lixo. Propusemos à ministra levar o lixo a outros municípios mas tal não foi permitido, acarretando um despesismo brutal”. O mesmo cenário se repete na educação, relembrando que “um aluno custa-nos, em média, 10 mil euros por ano”.
Neste contexto de despesa acentuada, o autarca relembra a necessidade imperativa de definir estratégias que atenuem essa situação e dá um exemplo muito prático: “no que diz respeito à luz, também optamos por cortar a mesma alternando as luminárias e permite-nos poupar muito dinheiro”, concluindo dizendo “apesar de nos terem imputado mais competências, tal não implicou maior autonomia”.
Francisco Tavares referiu ainda que, mesmo no que toca ao recrutamento de pessoal, tentou dar preferência a indivíduos do município, todavia, neste âmbito, também aqui a decisão não passa pela autarquia o que implicou o recrutamento de pessoas muito longe do município, inclusivamente, de municípios contíguos e, apesar do autarca saber que muita gente lhe imputa essa responsabilidade, o mesmo declina-a, pelo facto de não ter autonomia de decisão. Diz: “somos governados com novas competências mas sem autonomias”.
O presidente sublinha que, futuramente, no que concerne aos novos desafios tem que se ter presente as limitações locais, nomeadamente, o êxodo rural, assim como as taxas de natalidade incipientes, correndo o risco do esvaziamento total de alguns concelhos dentro de 20 anos.
No âmbito dos projectos em curso para o concelho de Valpaços, Francisco Tavares, ressaltou alguns, nomeadamente, o Centro Escolar e o Polidesportivo (5 milhões de Euros); a avenida Sá Carneiro (500 mil Euros); Museu do Vinho (1 milhão e quinhentos mil euros); o Pavilhão da Castanha (1 milhão e Oitocentos mil Euros), entre outros. Neste contexto, frisou que a Câmara de Valpaços é a autarquia que detém maior taxa de execução e a que está a pagar melhor. Mencionou ainda que a estrada para Vale Salgueiro é uma ambição antiga e que essa intenção já foi manifestada ao estado, contudo, há um constrangimento de falta de verbas. “Contudo não desisti na negociação e no plano de acção essa obra já se encontra contemplada”, rematou o edil.
Este último, prosseguiu dizendo que “quem vier a seguir tem muito trabalho para dar seguimento”. Paralelamente, frisou que “às vezes há desafios que temos em cima da mesa mas não imaginamos as dificuldades impostas”, reportando-se às negociações encetadas em relação às estradas de ligação aos concelhos limítrofes (Mirandela, Chaves e Vila Pouca de Aguiar).
Enquadrando numa das hipóteses de redução da despesa pública, Francisco Tavares, mostrou-se receptivo à ideia de fusão de freguesias, afirmando que “não deve haver freguesias com menos de 300 eleitores”. Aqui, Manuel Jeremias dá o exemplo da “Revolução silenciosa” que se está a operar em Lisboa, no campo de acção de fusão de freguesias. Todos os presentes são unânimes na concepção de que a reorganização autárquica vai avançar de forma pacífica e, para que tal seja exequível, bastará uma determinação governamental.
Neste seguimento, Manuel Jeremias levanta uma nova questão a Francisco Tavares, sob forma de afirmação dizendo que o novo Parque Escolar é anacrónico, em virtude do acentuado decréscimo da população que, segundo o mesmo, não justifica a emergência destas infra-estruturas. Neste contexto, Francisco Tavares afirmou que “com boa gestão não havia necessidade de construção dos centros escolares (Valpaços e Carrazedo). No entanto, o estado apenas se manifestou disponível para financiamento de novas infra-estruturas e todas as câmaras decidiram aceitar ao invés de ficar sem elas”. Referiu que, no que respeita ao centro escolar de Valpaços, o mesmo representou um gasto de 4 milhões de euros que “estão todos pagos”, avançou ainda que “todas as obras comunitárias estão em dia”.
Também aqui, e em virtude da celeuma que o tema tem suscitado, foi referida a questão do Hospital de Valpaços e, em tom de desabafo, Francisco Tavares referiu que “critique-se que se criticar, o hospital funcionou bem com a antiga gestão. Tentei negociar a manutenção por mais quatro anos a gestão da Lusipaços sob a égide da Santa Casa. Contudo, diligenciei sempre junto da ARSNorte a manutenção do hospital e, neste contexto, foi-me dito que o SAP não era possível mas que era exequível a manutenção de todas as outras valências. No entanto, depois de muitas reuniões com as partes, percebi que a minha presença não era aceite”. O autarca lamenta que, malogradamente, o hospital acabou por fechar com todos os problemas inerentes, nomeadamente, no que diz respeito aos respectivos funcionários. Rematou dizendo que “no fundo perdemos um bem que ali estava e agora é muito difícil que volte a funcionar como antigamente”. Segundo o mesmo, o hospital era uma mais-valia que deveríamos ter sabido preservar e lamentou que tivesse resvalado para esta situação. Acrescentou ainda que, o terreno que está atrás do hospital, sendo propriedade da câmara, haveria disponibilidade de cedência à Santa Casa para expansão do hospital.
Continuando a partilha, ouve a intervenção de um outro tertuliano, Professor Sousa Maia, que aproveitou a ocasião para parabenizar o autarca pelas obras de intervenção de alargamento da estrada à entrada da cidade de Valpaços, apesar de ressaltar que os muros estão muito altos e, ao invés de serem em pedra estão a ser feitos em tijolo, desvirtuando um pouco o ambiente rural. A este reparo, o presidente refere que, por vezes, é difícil gerir, em virtude das imposições das pessoas e há sensibilidades que não vão de encontro aos nosso interesses.
Finalmente, Bruno Salvador questionou o autarca relativamente aos desafios que se impõem em virtude da conjuntura actual e dificuldades de financiamento, ao que Francisco Tavares começou por referir que existem receitas correntes e receitas de capital, sublinhando que “todos os anos temos tido um super avit no corrente e acabo por investir no capital. A minha dívida à banca são apenas 4 milhões de euros, sendo uma das câmaras do norte que tem menor dívida à banca. Temos 8 funcionários por cada mil habitantes e, também aqui é das câmaras com menor número de funcionários”. Rematou dizendo que “as leis são restritivas e não podemos meter gente como antigamente, senão, somos sancionados. O grande desafio passa então por mantermos as despesas correntes estabilizadas e saber gerir”.
No final, eram evidentes o contentamento e satisfação dos presentes perante o debate da temática, ficando a promessa que, futuramente, se voltará a debater o tema."
Fonte: Artigo extraído do Jornal Tribuna Valpacense